A Lei nº 5.764/71, que define a política nacional de cooperativismo e institui o regime jurídico das cooperativas, em seu artigo 28, inciso II, determinou a criação do Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social (FATES), destinado a prestação de assistência aos associados, seus familiares e, quando previsto nos estatutos, aos empregados da cooperativa, constituído de 5% (cinco por cento), pelo menos, das sobras líquidas apuradas no exercício.
De acordo com o art. 87 da lei cooperativista, também revertem para o FATES, os resultados das operações das cooperativas com não associados, mencionados nos artigos 85 e 86 desta lei, determinando a contabilização em separado do resultado dessas operações, para fins de cálculo e incidência de tributos.
O objetivo deste breve artigo é esclarecer sobre a origem dos recursos para a formação do FATES e a finalidade a que tais recursos se destinam.
Em suma, os recursos para a formação do FATES têm origem parcial no resultado de atos cooperativos e a integralidade do lucro proveniente das operações com terceiros, aqueles mencionados nos artigos 85 e 86 da Lei nº 5.764/71.
Neste sentido, trazemos à baila a questão do resultado das aplicações financeiras, que segundo a súmula 262 do STJ, sujeita-se à tributação, manifestada nos seguintes termos: “Incide o Imposto de Renda sobre o resultado das aplicações financeiras realizadas pelas cooperativas”.
Outrossim, importante termos presente o entendimento manifestado pelo Conselho Nacional de Cooperativismo (CNC), através da sua Resolução de nº 29/1986, com o seguinte teor:
O CONSELHO NACIONAL DE COOPERATIVISMO – CNC, em Sessão realizada em 29 de janeiro de 1986, com base no disposto no artigo 97, item I, da Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971, RESOLVEU:
I – Os resultados das aplicações feitas pelas Cooperativas no mercado financeiro serão levados à conta de resultado, ficando a destinação definitiva a critério da Assembleia Geral ou de norma estatutária.
O CNC foi instituído pela própria Lei nº 5.764/71, tendo como atribuições, dentre outras, o seguinte: “baixar normas regulamentadoras, complementares e interpretativas, da legislação cooperativista”.
Ocorre que existem entendimentos, a meu ver equivocados, de que o resultado das aplicações financeiras das sociedades cooperativas, por serem decorrentes de operações tributáveis, deveria simplesmente ser destinado ao FATES, tal como ocorre com o resultado dos atos não cooperativos provenientes das operações mencionadas nos artigos 85 e 86 da lei nº 5.764/71.
Defendo que apesar do resultado das aplicações financeiras serem tributáveis, a destinação de tais ganhos financeiros devem ser destinados à critério da Assembleia Geral dos Associados, tal como estabeleceu a Resolução CNC nº 29/1986.
Aliás, a própria Receita Federal do Brasil, através da Instrução Normativa nº 971/2009, no seu artigo 215, inciso II, aponta claramente a possibilidade das Cooperativas distribuírem os ganhos resultantes de aplicações no mercado financeiro.
Por outro lado, encontra-se em audiência pública a norma contábil ITG 2004, definindo regras contábeis para as Cooperativas, que traz o seguinte texto em seu item 12: “Os resultados decorrentes das aplicações financeiras e da equivalência patrimonial devem ser reconhecidos no resultado do período e suas destinações devem ser feitas de acordo com norma estatutária ou deliberação da assembleia geral”.
Paralelamente, cumpre esclarecer que o texto original do artigo 88 da lei nº 5.764/71, que trata da participação em sociedades não cooperativas, continha um parágrafo que determinava a destinação dos resultados provenientes desse tipo de investimento, para o Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social. Todavia, este parágrafo foi sumariamente suprimido pelo novo texto do artigo 88 da lei cooperativista, trazido pela MP nº 2.168-40, o qual passou a ter a seguinte redação:
Art. 88. Poderão as cooperativas participar de sociedades não cooperativas para melhor atendimento dos próprios objetivos e de outros de caráter acessório ou complementar. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.168-40, de 24 de agosto de 2001)
Nota-se que a participação em sociedades não cooperativas, legalmente permitidas, são aquelas que atendem aos próprios objetivos, ainda que seja de caráter acessório ou complementar.
Assim, nos parece justo e adequado que o resultado das aplicações financeiras e os ganhos de participações em sociedades não cooperativas, sejam destinados à critério da Assembleia Geral ou norma estatutária, pois via de regra os recursos aplicados ou investidos, também pertencem aos cooperados, portanto, devem trazer resultados econômicos em benefício dos seus sócios.
Outro aspecto, não menos importante, é o alinhamento quanto a correta destinação dos recursos do FATES, a fim de que o mesmo cumpra com a sua finalidade.
Em primeira mão, julgamos pertinente que as Cooperativas estabeleçam a forma de aplicação do FATES, mediante um regulamento, quando o estatuto social não estabelecer regras claras para o uso dos seus recursos.
De um modo em geral, entende-se que o FATES pode ser aplicado nas seguintes finalidades:
Assistência Técnica: gastos realizados visando o aumento da produtividade e a melhoria da qualidade dos produtos e serviços que os associados produzem. Numa Cooperativa do ramo agropecuário, por exemplo, seria a assistência agronômica e veterinária ao agricultor, para a adoção de técnicas e manejos adequados visando melhorar a qualidade, eficiência e produtividades, com menores custos.
Assistência Educacional: gastos voltados à educação dos associados, seus familiares e também aos empregados, quando previsto no estatuto da Cooperativa. A Cooperativa pode subsidiar os gastos com educação em todos os níveis, mas principalmente àqueles que podem reverter em benefício de toda a sociedade.
Assistência Social: corresponde aos gastos relacionados com a melhoria da qualidade de vida das pessoas. Visa corrigir as desigualdades sociais, então, os investimentos nessa área devem sempre privilegiar os mais pobres e desfavorecidos, apesar de que não deve se confunde com o paternalismo.
As Cooperativas são empresas sem fins lucrativos e atuam na defesa do interesse econômico dos seus associados, portanto, se distinguem das empresas de capital pela forte atuação social. O FATES contribui para que as Cooperativas cumpram com a sua função, no intuito de reduzir as desigualdades entre as classes sociais.
Em síntese, o FATES deve ser aplicado para criar oportunidades para as pessoas melhorarem sua condição social e agregarem melhor qualidade de vida, especialmente para aquelas que vivem em situação desfavorecida em relação aos demais.
Importante ainda esclarecer que a lei estabeleceu que os serviços a serem atendidos pelo FATES poderão ser executados mediante convênio com entidades públicas e privadas.
Por último, vale esclarecer sobre a forma de contabilização dos gastos relacionados com assistência técnica, educacional e social. A NBC T 10.8 e a Interpretação Técnica (IT) 01, estabeleceram as seguintes regras:
As despesas de Assistência Técnica Educacional e Social serão registradas em contas de resultados e poderão ser absorvidas pela Reserva de Assistência Técnica, Educacional e Social em cada período de apuração.
A absorção dos dispêndios com Assistência Técnica Educacional e Social pela reserva correspondente, bem como as destinações estatutárias dos resultados, propostas para a aprovação da Assembleia Geral, devem ser apresentadas de forma segregada na Demonstração de Sobras e Perdas, após o resultado líquido do exercício, sem prejuízo da obrigatoriedade de este conteúdo ser divulgado na Demonstração das Mutações do Patrimônio Líquido.
Finalizando, vale ressaltar que as sociedades cooperativas devem efetivamente aplicar os recursos do FATES na forma prevista na lei, no estatuto social e no regulamento interno, visando sempre a melhoria das condições de vida das pessoas que são a razão da sua existência.
Dorly Dickel, Integrante da Comissão de Estudos de Contabilidade do Setor Cooperativo do CRC/RS, sócio da DSM Consultores Associados e DICKEL & MAFFI – Auditoria e Consultoria.